Gilmar Mendes definirá se alíquota de servidor permanece progressiva

Fonte: O Estado de S. Paulo. · 18 set. 2024 ·

Por: AMANDA PUPO LAVÍNIA KAUCZ

 

Em jogo no Supremo Tribunal Federal, a invalidação de alíquota progressiva para a contribuição previdenciária de servidores públicos pode aumentar o déficit atuarial do Regime Próprio de Previdência Social (RPPS) em R$ 73,8 bilhões, de acordo com a nota técnica da Advocacia-Geral da União (AGU) obtida com exclusividade pelo Estadão/Broadcast. A deci- são caberá ao ministro Gilmar Mendes, cujo voto vai desempatar o julgamento sobre esse trecho da reforma da Previdência. Em junho, quando apresentou pedido de vista, Mendes suspendeu a análise desse ponto, cujo placar estava em 5 a 5.

O questionamento às alíquotas progressivas no caso dos servidores faz parte de um pacote de 13 ações contra diversos pontos da reforma, em vigor desde 2019. Ao todo, a União esti- mou um risco fiscal de R$ 497,7 bilhões para todos os processos. Já há maioria para invali- dar quatro artigos, mas os dez votos proferidos até o momento confirmaram a constitucio- nalidade da maior parte dos trechos.

Antes da reforma, a alíquota previdenciária dos servidores era fixa em 11%, independente- mente da remuneração. A partir de 2020, as alíquotas passaram a ser escalonadas por faixa salarial, entre 7,5% e 22%. Na prática, o teto da alíquota efetiva gira entre 14% e 15%. Enti- dades do funcionalismo público ajuizaram ações contra a progressividade alegando que ela é confiscatória.

“Para o servidor, se levar até o teto, na prática houve um aumento de 3%, mas nada que pudesse, a princípio, convencer o Supremo de que há um confisco”, avalia Diego Cherulli, presidente do Instituto Brasiliense de Direito Previdenciário (IBDPrev).

ROMBO. De acordo com o governo, a inconstitucionalidade dessas normas resultaria em substituição das alíquotas progressivas, previstas para o RPPS da União, pela alíquota linear anterior de 11%, para os segurados, e de 22% para o ente federativo. Nessa hipótese, o valor presente atuarial das contribuições seria reduzido em 20,02%, aumentando o rombo do regime próprio em R$ 73,8 bilhões.

Até o momento, votaram a favor da alíquota progressiva os ministros Luís Roberto Bar- roso, Cristiano Zanin, Kassio Nunes Marques, Alexandre de Moraes e Luiz Fux. Foram con- trários à progressividade os ministros Edson Fachin, Rosa Weber (já aposentada), Dias Toffoli, Cármen Lúcia e André Mendonça. Até a proclamação do resultado, contudo, os votos ainda podem ser alterados.

O prazo de 90 dias para Gilmar devolver o processo para julgamento vence em meados de outubro. A partir da devolução, caberá ao presidente do Supremo, Luís Roberto Barroso, definir uma data para o julgamento.

‘EXTREMAMENTE DELICADO’. A expectativa de advogados ouvidos pelo Estadão/Broad- cast é de que o ministro defenda a progressividade da alíquota, já que costuma invocar a responsabilidade fiscal em seus votos. Além disso, antes de pedir vista, o ministro citou o rombo previdenciário e afirmou que o julgamento é “extremamente delicado” porque trata da declaração de inconstitucionalidade de uma emenda à Constituição.

“Certamente, estamos a falar de uma emenda constitucional que, já na sua concepção ori- ginal, serviu para atenuar, mas não serviu para debelar, o grande déficit hoje existente nessa seara e que repercute sobre Estados e municípios”, afirmou.

As novas regras para os servidores também foram destacadas na mensagem do presidente Luiz Inácio Lula da Silva que foi encaminhada ao Congresso com o Projeto de Lei Orçamen- tária Anual (PLOA) do próximo ano. No texto, Lula destaca a adoção de alíquotas progressi- vas como um dos itens responsáveis pela “forte redução” do déficit do RPPS em relação ao PIB desde 2020.

Como mostrou o Estadão/Broadcast, já há maioria formada em um caso com impacto de R$ 6,1 bilhões, de acordo com a nota da AGU. Os ministros da Corte consideraram inconstitu- cional o dispositivo que cria cálculos diferenciados para o valor do benefício das mulheres nos dois regimes da Previdência.

‘HIPÓTESE EXTREMA’. Dos demais pontos questionados, uma das regras que, derrubada, poderá causar o maior prejuízo para o regime próprio trata do cálculo da contribuição pre- videnciária de inativos. O caso tem impacto estimado em R$ 227,3 bilhões. Outro ponto, avaliado em R$ 131,5 bilhões, criou novas regras de transição para servidores que ingressa- ram em cargo efetivo antes de 2003. O Supremo já tem ampla maioria, de 10 votos, para manter esses trechos da reforma.

O governo ainda projetou o que poderia ocorrer se, numa “hipótese extrema”, toda a reforma fosse declarada inconstitucional pelo STF. Nesse cenário, haveria uma redução do valor presente atuarial das contribuições em 31,25% e aumento do valor presente atuarial dos benefícios a conceder em 37,43%. Isso aumentaria o déficit atuarial do RPPS da União em R$ 389 bilhões.

“Certamente, estamos a falar de uma emenda constitucional que, já na sua concepção ori- ginal, serviu para atenuar, mas não serviu para debelar, o grande déficit hoje existente” Gilmar Mendes Ministro do STF

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