Em plena sexta-feira de Carnaval, no dia 1º de março, o presidente Jair Bolsonaro e o ministro da Economia Paulo Guedes publicaram a Medida Provisória nº 873/2019 determinando que a contribuição sindical seja feita apenas por meio de boleto bancário, após a autorização expressa, individual e por escrito do trabalhador. A MP proibiu ainda a transferência dos recursos no modelo vigente que é o desconto direto na folha do trabalhador.

Para organizações que representam trabalhadores privados e servidores públicos, a medida é interpretada como uma tentativa de “asfixiar” financeiramente as entidades, levando mais de 40 delas a ajuizaram no Supremo Tribunal Federal (STF) várias Ações Diretas de Inconstitucionalidade (ADI), entre elas a OAB (Ordem dos Advogados do Brasil), a CSPB (Confederação dos Servidores Públicos do Brasil), a CNTI (Confederação Nacional dos Trabalhadores na Indústria) e a Proifes (Federação de Sindicatos de Professores e Professoras de Instituições Federais de Ensino Superior e de Ensino Básico, Técnico e Tecnológico).

No dia 2 de abril, o relator da ADI da OAB no Supremo, ministro Luiz Fux, negou o pedido de liminar de mandado se segurança contra a MP, mas remeteu a ação para análise do plenário da Corte, afirmando que a matéria “se reveste de grande relevância e apresenta especial significado para a ordem social e a segurança jurídica”.

Finalmente, após receber os pareceres da Advocacia-Geral da União e da Procuradoria-Geral da República, o STF marcou o julgamento da MP no Plenário da Corte para o dia 23 de maio.

Por se tratar de uma MP, o Congresso tem 120 dias para avaliar a regra que o governo quer impor. Passado esse período, se não ocorrer a aprovação ou análise, a medida perde sua força. Entidades sindicais procuraram parlamentares para derrubar a proposta. O presidente do Senado, Davi Alcolumbre, além de anunciar a instalação de uma comissão especial para analisar a MP 873, publicou na edição do dia 18 de abril do Diário Oficial da União um ato prorrogando por mais 60 dias a tramitação da medida no Congresso.

Enquanto isso, em vários pontos do país entidades conseguiram liminares judiciais garantindo o direito ao desconto. O Sindicato dos Bancários e Trabalhadores do Ramo Financeiro de Rondônia (SEEB-RO) foi um deles.

No dia 15 deste mês, a Caixa anunciou que não faria mais o desconto das mensalidades sindicais na folha de pagamento e, consequentemente, não haveria mais o repasse da fonte de sobrevivência dos sindicatos. O SEEB-RO entrou com o mandado de segurança requerendo a tutela de urgência para assegurar os descontos via folha de pagamento, já estabelecidos na Convenção Coletiva de Trabalho da categoria bancária.

A desembargadora Maria Cesarineide de Souza Lima (TRT 14) concedeu a liminar no dia 18 em favor do sindicato, sob pena de multa diária de R$ 20 mil reais caso a Caixa não cumprisse a decisão.

“Quanto ao modo de desconto e repasse das mensalidades sindicais, contrariando o disposto em Acordo Coletivo de Trabalho, sob a justificativa de cumprimento de Medida Provisória, desrespeitou o ato jurídico perfeito e os princípios da segurança jurídica e a irretroatividade da norma que devem permear as relações”, argumentou a desembargadora.

A magistrada ponderou ainda que para “o pleno exercício” da liberdade de atuação dos sindicatos, “é imperioso respeitar a possibilidade de celebração de pactos coletivos, na medida em que a atuação sindical pressupõe o exercício de direito coletivo”, assegurado no artigo 7º da Constituição Federal onde está escrito: “São direitos dos trabalhadores urbanos e rurais, além de outros que visem à melhoria de sua condição social”: inciso XXVI “reconhecimento das convenções e acordos coletivos de trabalho”.

Em sua ADI no Supremo, a Confederação Nacional das Carreiras Típicas de Estado (Conacate) pontuou que, com o pagamento por meio de boleto bancário, as associações passarão a depender do sistema bancário, com elevados custos para receber suas contribuições, podendo inclusive superar, em alguns casos, o valor da própria contribuição.

Em um artigo no Conjur sobre a MP 873/2019, o procurador Regional do Trabalho aposentado, Raimundo Simão de Melo, ponderou que a medida do governo Bolsonaro “padece de vícios”, uma vez que tenta mudar o formato de contribuição sindical via Medida Provisória que, conforme a Constituição Federal, deve ser um instrumento utilizado “em caso de relevância e urgência”.

“O que valida uma medida provisória é a existência de um estado de necessidade que imponha ao Executivo a adoção imediata de providências, de caráter legislativo, inalcançáveis pelas regras ordinárias de legiferação, em face de um real e concreto perigo de demora pela prestação legislativa natural”, explicou.

Além desse vício de finalidade, a proposta em si do governo é “violadora de preceitos da liberdade e da autonomia sindicais”, também expressos da Constituição Federal, justamente para garantir a independência dos sindicatos como representantes da coletividade de trabalhadores contra interferência dos poderes Executivo e Legislativo, assegurando o equilíbrio de forças na democracia.

“Os sindicatos têm o dever de defender os direitos e interesses coletivos e individuais de toda a categoria, o que depende de dinheiro vindo dos trabalhadores que eles representam. Isso é condição para o desempenho concreto e efetivo das atribuições sindicais, pelo que, dificultando o financiamento sindical, a MP 873/2019, determinando que seja devido apenas pelos filiados dos sindicatos, com autorização individual e cobrança por boleto bancário, estará criando barreiras indevidas e intransponíveis à livre atuação dos sindicatos na defesa dos interesses e direitos dos trabalhadores que representam: todos, e não somente seus associados”, pontuou.

A seguir, leia trechos das argumentações de algumas entidades nas ADIs enviadas ao Supremo:

Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), ADI 6098

Sustenta que o tema tratado não tem relevância ou urgência – como determina o artigo 62 da Constituição Federal – a autorizar a edição de Medida Provisória. E argumenta que a norma, apesar de invocar a autonomia e a liberdade sindical como fundamentos, na verdade se choca com estes mesmos preceitos, impondo empecilhos que vão acabar por inviabilizar o funcionamento de milhares de entidades sindicais.

Confederação dos Servidores Públicos do Brasil (CSPB), ADI 6099

Questiona especificamente o artigo 2º (alínea “b”) que, ao revogar alínea “c” do artigo 240 da Lei 8.112/1990, afastou a possibilidade de desconto em folha do pagamento da mensalidade sindical. Entre outros argumentos, a confederação diz que o Estado não tem o poder de interferir na organização sindical, conforme preceitua o artigo 8º da Constituição Federal, e que o inciso IV do dispositivo deixa claro que a contribuição, em se tratando de categoria profissional, será descontada em folha.

Partido Democrático Trabalhista (PDT), autor da ADI 6101

Salienta que a norma contraria os incisos I e III do artigo 8º da Constituição Federal, que garantem a associação sindical. O partido alega ainda que a MP foi editada em flagrante excesso de poder, uma vez que não foram preenchidos os requisitos da urgência e relevância.

Confederação Nacional dos Trabalhadores em Turismo e Hospitalidade (Contratuh), ADI 6105

Afirma que, ao alterar diversos dispositivos da Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), a MP viola de forma frontal normas constitucionais, em prejuízo direto a diversas entidades sindicais, afetando o funcionamento do plano de enquadramento sindical que coordena e, consequentemente, milhões de trabalhadores a ela vinculados.

Confederação Nacional dos Trabalhadores em Empresas de Prestação de Serviços de Asseio e Conservação, Limpeza Urbana e Áreas Verdes (Conascon), ADI 6107

Diz que a MP fere a liberdade de associação e de autodeterminação dos cidadãos e das próprias associações – no caso, as entidades sindicais –, que ficaram limitados indevidamente pela norma, que interfere no âmbito privado da vontade associativa.

Confederação Nacional dos Trabalhadores na Indústria (CNTI), ADI 61058

Lembra que no julgamento da ADI 5794, ao tratar do tema da contribuição sindical compulsória, a maioria dos ministros do Supremo frisou a liberdade, a autonomia financeira e a não intervenção do Estado. Para a entidade, a MP 873/2019 possui conteúdo completamente divergente do julgado pelo STF sobre o tema.

Professoras de Instituições Federais de Ensino Superior e de Ensino Básico, Técnico e Tecnológico (Proifes) e pelo Sindicato dos Professores do Ensino Superior Público Federal (Sind-Proifes), ADI 6093

Para essas entidades, autoras da ADI 6093, a MP 873 se constitui em verdadeira intervenção do Estado na organização sindical, ferindo diretamente a liberdade, a autonomia e a independência dessas entidades.

Confederação Nacional das Carreiras Típicas de Estado (Conacate), ADI 6092

A nova regra, segundo a entidade, fere diversos dispositivos da Constituição Federal, entre eles o artigo 5º, inciso XVII, que diz ser “plena a liberdade de associação para fins lícitos, vedada a de caráter paramilitar”, e o artigo 37, inciso VI, segundo o qual “é garantido ao servidor público civil o direito à livre associação sindical”.

Fonte: Jornal GGN