A Proposta de Emenda à
Constituição nº 186/2019, conhecida como PEC Emergencial, traz consequência
negativas de curtíssimo, médio e longo prazos sobre os servidores públicos, em
particular, e sobre a sociedade, em geral. A PEC foi concepção, de um lado, para
dificultar ou impedir o Estado de expandir os gastos públicos com políticas
sociais e com pessoal, e, de outro, para ampliar espaço de gastos
discricionários, como investimentos, e pagamento de juros e encargos da dívida,
mediante o emprego de gatilhos que congelam gastos essenciais e suspendem a
expansão de novas políticas púbicas com reflexos sobre as finanças públicas
quando configuradas três situações: a) na União, quando a relação entre despesa
primária obrigatória e despesa primária geral alcançar 95% , e, nos Estados e
Municípios, quando a despesa corrente atingir 95% das receitas correntes; b)
quando for aprovada a lei complementar das finanças públicas sobre
sustentabilidade da dívida, que prevê novas suspensões e vedações de gastos, e,
independentemente da questão fiscal, c) quando for decretado estado de
calamidade pelo Congresso Nacional.
No curtíssimo prazo, em razão da necessidade de decretação de estado de
calamidade após a promulgação da PEC, como condição para excluir as despesas
com o auxílio-emergencial do teto de gastos, será proposta e aprovada a
decretação do estado de calamidade, momento a partir do qual – nos termos dos
incisos I e II do art. 167-A do Substitutivo à PEC 186/2019 – ficará facultado
aos estados e municípios e será obrigatório e automático para a União o
congelamento de todas as despesas públicas e suspensas sua expansão,
permanecendo nessa condição pelo menos enquanto durar o estado de calamidade,
conforme segue:
“I – vedação da:
a) concessão, a qualquer título, de vantagem, aumento, reajuste ou adequação de
remuneração de membros de Poder ou de órgão, de servidores e empregados
públicos e militares, exceto dos derivados de sentença judicial transitada em
julgado ou de determinação legal anterior ao início da aplicação das medidas de
que trata este artigo;
b) criação de cargo, emprego ou função que implique aumento de despesa;
c) alteração de estrutura de carreira que implique aumento de despesa;
d) admissão ou contratação de pessoal, a qualquer título, ressalvadas:
1. as reposições de cargos de chefia e de direção que não acarretem aumento de
despesa;
2. as reposições decorrentes de vacâncias de cargos efetivos ou vitalícios;
3. as contratações temporárias de que trata o inciso IX do caput do art. 37;
4. as reposições de temporários para prestação de serviço militar e de alunos
de órgãos de formação de militares;
e) realização de concurso público, exceto para as reposições de vacâncias
previstas na alínea “d”;
f) criação ou majoração de auxílios, vantagens, bônus, abonos, verbas de
representação ou benefícios de qualquer natureza, inclusive os de cunho
indenizatório, em favor de membros de Poder, do Ministério Público ou da
Defensoria Pública e de servidores, empregados públicos e militares, ou ainda
de seus dependentes, exceto quando derivados de sentença judicial transitada em
julgado ou de determinação legal anterior ao início da aplicação das medidas de
que trata este artigo;
g) criação de despesa obrigatória;
h) adoção de medida que implique reajuste de despesa obrigatória acima da
variação da inflação, observada a preservação do poder aquisitivo referida no
inciso IV do caput do art. 7º;
i) criação ou expansão de programas e linhas de financiamento, bem como
remissão, renegociação ou refinanciamento de dívidas que impliquem ampliação
das despesas com subsídios e subvenções;
j) concessão ou ampliação de incentivo ou benefício de natureza tributária;
II – suspensão de progressão e de promoção funcional em carreira de agentes
públicos, quando o respectivo interstício se encerrar no exercício financeiro
mencionado no caput, excetuadas aquelas que implicarem provimento de cargo ou
emprego anteriormente ocupado por outro agente”.
Traduzindo, isto significado que a possibilidade de progressão e promoção, – única
hipótese de melhoria salarial do servidor em 2021 que não foi vedada pela Lei
Complementar 173/2020 – será suspensa após a decretação do estado de
calamidade. Para a sociedade, em geral, ficará proibida a criação de despesa
obrigatória, o que impede a criação ou ampliação de novas políticas públicas
sociais, exceto aquelas destinadas ao combate à pandemia.
É importante destacar que essa hipótese dependerá de:
1 – O Presidente da República requerer a decretação do estado de calamidade
pública; e
2 – O Congresso Nacional aprovar o Decreto Legislativo. Mas para viabilizar, de
imediato, o pagamento do auxílio emergencial, nos termos previstos pela PEC,
sem que sejam computada essa despesa para fins do teto de gastos e para fins da
meta de resultado primário de 2021, até o limite de R$ 44 bilhões, e para que
edite crédito extraordinário para esse pagamento, e por não estar sujeito à
regra de ouro, o Executivo não precisa declarar essa calamidade. Porém, para as
demais medidas de flexibilização, inclusive o afastamento da “regra de ouro”,
afastamento de regras da Lei de Responsabilidade Fiscal para ampliação de
despesas relacionadas à calamidade, de restrições a operações de crédito e
utilização geral do superávit financeiro para custear despesas com a calamidade
ou pagar a dívida pública, será necessária essa declaração, o que pode levar a
que seja, de fato, aplicada. Aí, sim, se aplicará a vedação de progressões e
promoções, além das demais regras de congelamento de despesas.
No curto e médio prazo, há três hipóteses em que os gatilhos de congelamento e
suspensão de ampliação do gasto com servidores poderão acontecer, sendo uma
delas também extensiva aos demais assalariados. ´
A primeira decorrerá da regra do artigo 2º do Substitutivo à PEC 186, que dá nova
redação ao art. 109 das Disposições Transitórias da Constituição Federal,
segundo a qual sempre que a relação entre despesa primária obrigatória e
despesa primária geral chegar a 95%, são automaticamente acionados gatilhos,
por poder e órgãos, com vedações ou suspensões semelhantes às determinadas para
os momentos de decretação de estado de calamidade pública.
No caso dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios o parâmetro para
disparar os gatilhos é a relação entre receitas correntes e despesas correntes.
Sempre que essa relação, apurada no período de doze meses, superar 95%, é
facultado aos entes subnacionais acionarem os gatilhos com vedações e
suspensões de despesas, sendo ainda facultado fazê-lo total ou parcialmente
quando essa relação alcançar 85%, mas neste caso com exigência de que o
legislativo – câmara de vereadores ou assembleia legislativa – decida sobre a
suspensão ou manutenção dos atos que implementaram as vedações ou suspensões no
prazo máximo de 180 dias. Na hipótese de não exercer a faculdade de acionar os
gatilhos no primeiro caso (relação de 95%), os governos estaduais e municipais
ficarão impedidos de contratar empréstimos até que a situação volte à situação
anterior.
A segunda está prevista no art. 4º do Substitutivo à PEC 186, que trata da
redução de incentivos e benefícios federais de natureza tributária, e poderá
atingir a todos os salariados. Esse dispositivo determina que o presidente da
República, em até seis meses, encaminhará ao Congresso plano de redução gradual
de incentivos e benefícios federais de natureza tributária, entre os quais se
encontram as deduções no imposto de renda das despesas com saúde e educação e a
isenção do imposto de renda de idosos e pessoas aposentadas por invalidez. Como
essas deduções não foram expressamente ressalvadas para redução de incentivos e
benefícios tributários, elas certamente irão figurar no plano de contenção, a
ser enviado pelo presidente da República ao Congresso após a promulgação da
PEC, para cumprir a meta de redução de renúncias fiscais dos atuais 4% para 2%
do PIB em oito anos.
A terceira hipótese de contenção de gastas, inclusive com servidores, está no
art. 1º do Substitutivo à PEC 186, que acrescenta o inciso VIII no art. 163 da
Constituição, para autorizar que a lei complementar sobre finanças pública
inclua dispositivos relacionados à sustentabilidade da dívida, prevendo medidas
de ajuste, suspensões e vedações, incluindo aquelas vedações e suspensões
previstas no art. 167-A do Substitutivo da PEC Emergencial. Além disso, o art.
167-F prevê que lei complementar poderá, inclusive, “definir outras suspensões,
dispensas e afastamentos aplicáveis durante a vigência do estado de calamidade
pública de âmbito nacional”, o que pode levar que ainda outras medidas de
redução de despesas possam ser adotadas.
No longo prazo, as medidas de contenção fiscal – especialmente:
a) na Emenda à Constituição nº 95, do congelamento de gasto público;
b) no Substitutivo da PEC 186 ( PEC emergencial);
c) na PEC 32/2020, da reforma administrativa, e outras investidas sobre os
servidores, os serviços públicos e as políticas públicas – trarão como
consequência o aumento da miséria e da desigualdade no País, já que a proibição
de ampliação da despesa com programas e políticas sociais prejudica principalmente
os mais pobres e mais vulneráveis, que dependem da prestação do Estado. A
depender do comportamento das finanças públicas, podemos ter períodos
prolongados, ou intercalados, de congelamento salarial e vedação de ingresso de
servidores, não apenas reduzindo salários, na prática, pois não haverá, sequer,
a reposição de perdas inflacionárias, e o sucateamento do serviço público, que
poderá ser substituído por pessoal temporário e terceirizados, que não são
computados como despesas com pessoal.
Por fim, vale lembrar, especialmente em relação aos servidores, que a reforma
da previdência, instituída pela Emenda Constitucional nº 103, reservou duas
maldades contra os servidores ativos, aposentados e pensionistas, que o governo
pretende implementar após aprovar a PEC emergencial e a reforma administrativa.
Trata-se da autorização para reduzir o limite de isenção da contribuição de
aposentados e pensionistas para o regime próprio, do teto do INSS (atualmente
de R$ 6.433,57) para o salário mínimo (atualmente de RS 1.045,00), e da
instituição de contribuição extraordinária para o regime próprio, a ser cobrada
de servidores ativos, aposentados e pensionistas, com redução nos dois casos
nos proventos dos aposentados e pensionista e no segundo caso dos salários dos
servidores ativos.
Como se pode depreender da leitura deste artigo, a sociedade, em geral,
especialmente os mais pobres, serão prejudicados com menos serviços públicos e
menos participação no orçamento, e os servidores, escolhidos como a variável do
ajuste, pagarão a conta com suspensão de reajuste salarial, com congelamento de
progressão e promoção e com o aumento de contribuição para o regime própria de
previdência, além do já implementado aumento de alíquotas previdenciárias. E o
mais bizarro, é que a equipe econômica do governo, liderado pelo ministro da
Economia, Paulo Guedes, ainda queria incluir um dispositivo na PEC emergencial
para permitir redução de salário com redução de jornada do servidor. Resta
saber quanto tempo levará para que essa ideia nefasta seja colocada novamente
na pauta do Governo…
Fonte:
Confederação dos Servidores Públicos do Brasil – CSPB
* Antônio Augusto de Queiroz é jornalista, analista e consultor
político, diretor de Documentação licenciado do Diap e Sócio-Diretor das
empresas “Queiroz Assessoria em Relações Institucionais e Governamentais” e
“Diálogo Institucional Assessoria e Análise de Políticas Públicas”.
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