So•fis•ma[1]: argumento deliberadamente enganoso, com aparência de verdadeiro, com o objetivo de enganar alguém.
De•ma•go•gi•a[2]: ação política que tenta obter o poder explorando as paixões das massas, baseando-se na sua limitada capacidade de análise crítica, e fazendo promessas vãs.
Discursos fáceis, truísmos e chavões de todo tipo ocupam o debate público brasileiro justamente no momento em que ele deveria ser o mais qualificado possível. Parece um paradoxo: quanto mais grave e complexo o problema, mais vazia e simplória a solução. Exemplo: serviço público no Brasil é ruim; solução: demitir servidores públicos ineficientes.
Políticos demagogos culpam a estabilidade pela baixa qualidade do serviço público que oferecem a seus eleitores. Sofisma: servidores estáveis tornam-se servidores desinteressados e oferecem serviço público ruim. Demagogia: acabar com a estabilidade motiva os servidores, que oferecerão um bom serviço público. Desempregado e sem esperança, o trabalhador-cidadão vê justiça na demagogia: “se eu posso ser demitido, por que um servidor não pode?”.
Existem motivos que justificam a estabilidade. As relações de trabalho no ambiente privado são muito diferentes. Se a firma quebra ou dá prejuízo, o patrão perde seu lucro, e o trabalhador pode ficar sem salário; sem lucro, não há salário. O patrão não pode usar do “amiguismo” para escolher seus gerentes, sob risco de quebrar a empresa e perder o amigo. O gerente deve ser eficiente e gerar resultados, pois, assim, ganha mais e consagra seu nome.
Se patrão e gerente cometem atos ilícitos e coagem seus funcionários à cumplicidade, todos vão à 1ª instância. Fato relevante: eles lidam com dinheiro privado e compartilham, conjunta e isoladamente, os riscos do seu mau uso, lícito ou ilícito.
No serviço público, “patrão” (doravante ministro) e servidores muitas vezes não perseguem o mesmo objetivo. Um ministro que visa ao seu ganho eleitoral pode usar do apadrinhamento para escolher seus gerentes, sob risco de não honrar os favores e a lealdade que deve a seus próprios padrinhos. Seus gerentes devem produzir resultados para o ministro, pois, assim, caem em suas graças.
Se esse ministro pratica ilicitudes e consegue coagir servidores à cumplicidade, esses servidores vão à 1ª instância, e o ministro permanece blindado em seu foro privilegiado. Fato relevante: esses personagens lidam com dinheiro público, ainda que alguns ministros não o entendam como tal, haja vista a avalanche de desvios de verbas públicas para caixa 2 de campanhas, superfaturamento de obras, malas de dinheiro para todo lado, joias, mansões, etc. Há exceções; existem ministros e comissionados que ganham projeção eleitoral por honradamente cumprirem seu papel com a nação, e não pelo clientelismo que assola nosso país.
Vale lembrar que, a cada 4 anos, novos governantes vêm salvar a pátria de todo o mal causado pelo governo anterior, reinventando a roda onde é possível. A existência de um quadro estável de servidores que perpasse esses períodos de instabilidade é um dos instrumentos que a República possui para zelar pela continuidade das políticas públicas. O servidor público atua num rígido ambiente de regras e procedimentos erigidos para proteger o patrimônio público e fortalecer as instituições. A estabilidade compõe esse quadro de regras.
Precisamos entender que a estabilidade não existe para privilegiar pessoas que passam em concurso público. Ela existe fundamentalmente para estabilizar a prestação continuada dos serviços públicos, independentemente de partido político e governo, além de resguardar servidores públicos contra assédios. É claro que existem servidores desmotivados e improdutivos, mas a generalização é uma nuvem de fumaça para esconder o verdadeiro problema.
A classe política que fala em meritocracia, desempenho e produtividade é a mesma que age em benefício próprio e governa muito mal o país. Então, a quem interessa um servidor público instável, sujeito a assédios e chantagens? A qualidade do serviço público no Brasil precisa melhorar muito, sem dúvidas! O fim da estabilidade no serviço público com essa finalidade é apenas um sofisma na boca dos demagogos.
Post: Elizabeth Novaes – Mtb 10.959
Fonte: Rafael Leão – Especialista em Políticas Públicas e Gestão Governamental, graduado e mestre em economia pela UnB.